Esta mini série de 10 episódios, num total de 18 horas, pode ser vista no Netflix. É uma obra notável, dos melhores documentários que vi até hoje.
É feito coms fotos e filmes da acção real da época, bem como depoimentos actuais de sobreviventes, familiares de vítimas, bem como de outros protagonistas e observadores (jornalistas, oficiais) dos vários lados da contenda — americanos, sul-vietnamitas e norte-vietnamitas. A montagem é excelente — coreografia com música excelentemente seleccionada, “Ken Burns effect” em fotos da época, etc. — e prende-nos ao écran.
Com o distanciamento agora possível, vem revelar como a situação escalou muito para lá das intenções iniciais — em grande medida, para defender o orgulho nacional (e, obviamente de um presidente e da sua administração) contra a humilhação (!), como foi revelado neste memorandum de 1965:
As horas de entrevistas a dezenas de protagonistas são de uma qualidade e sentido humano avassaladores.
“I was fantastically religious for a while sending up… prayers mainly concerned with trying to stay alive. But I am once again an atheist. Until the shooting starts.”
Denton “Mogie” Crocker, US soldier in Vietnam, aged 18, May 16,1966. He was killed in combat a few days later, on June 4.
“The real failures were made at the policy level. We were fighting on the wrong side. The government in the South was corrupt. And its people knew it. And we knew it. I’ll tell you something, those truck drivers [on the viet cong trail). I would have been proud to fight with them. So when of the things you have to do when you go to war is pick the right side, okay. Get the right allies.”
Merrill McPeak, fighter pilot, retired as Air Force Chief of Staff.
Estive no Vietnam em 1994, quando o país se estava a abrir ao exterior. Pude observar muitas evidências dessa guerra e conheci muitas pessoas que a tinham vivido. O que me impressionou mais, na altura, foi constatar que os vietnamitas queriam olhar para o futuro, muito mais que para o passado. Muitos diziam que o seu adversário milenar era a China, não os EUA.
O meu motorista, Minh, contou-me a sua história. Do seu pai, que tinha sido ofical no exército do sul, e foi morto depois da guerra, num campo de detenção dos vietcongs. Dos seus dois irmãos mais velhos, que atravessaram o Camboja, chegaram à Tailândia e emigraram para os EUA como refugiados, tendo-se aí licenciado em engenharia electrotécnica. De ele próprio não ter podido entrar na universidade pelos seus antecedentes familiares. Dos seus planos, agora com a abertura, de emigrar também para os EUA – claro, para estudar o mesmo que os irmãos.
Um dia, chegámos a Hue, antiga capital imperial, ainda com fortes marcas de devastação de uma tremenda batalha que aí teve lugar em ’68, em que a maioria da população foi expulsa e milhares massacrados pelos vietcongs. Minh mostrou-me uma carta de um cliente que tinha conduzido pela região umas semanas antes. Era um veterano de guerra americano, que tinha estado na batalha de Keh Sanh, em 1968, uma das mais sangrentas da guerra. Ainda hoje me comovo ao lembrar-me de a ler. Tinha passado anos a ter pesadelos a meio da noite e sentiu necessidade de voltar ao Vietnam para combater os seus fantasmas. Dizia que Keh Sanh, em ’68, tinha sido “hell”, ficou feliz de ver agora a região em paz e isso ajudou-o a viver melhor com o passado. O turismo de veteranos estava a iniciar-se. Alguns vietnamitas do sul, refugiados, sobretudo nos EUA e Canadá, estavam a regressar para montar os seus negócios.
Como referi acima, este documentário recolhe o testemunho de muitos participantes dos dois lados, como nunca antes tinha acontecido.
Cito um crítico americano de origem vietnamita:
“Still, the remarkable thing about The Vietnam War is how much camera time it dedicates to Vietnamese people from the North and the South. Sure, we’re regaled with war stories from U.S. marines and infantry, who question why they were there in the first place – it’s basically the point of view of every Vietnam War movie. But it’s even more resonant to hear from the Vietnamese people who understood exactly why they were there. Sometimes I ask people what they called the Vietnam War in Vietnam. It’s obvious: the American War.”
Custa acreditar que isto tenha acontecido há apenas 50 anos. Será que aprendemos a lição?
Em resumo, é uma série excepcional, nenhum minuto é tempo perdido. Os depoimentos de veteranos e jornalistas que estiveram no terreno são pungentes. Um dos melhores programas de tv que vi até hoje.
Estimativa de vítimas da guerra do Vietnam:
Vietnam do Norte: 849,000 soldados mortos; 65,000-182,000 civis mortos
Vietnam do Sul: 300,000 soldados mortos; 200,000-400,00 civis mortos
EUA: 58,000 mortos; 150,000 feridos hospitalizados
Para além de outros milhares de vítimas do Laos (15,000) e de outros países vizinhos, bem como australianos (520) neo-zelandeses (37) e sul-coreanos (5,000) aliados dos EUA.
Trailer: