10 LIVROS QUE ME MARCARAM

By | May 20, 2020

O confinamento levou a desafios no facebook para partilharmos as nossas preferências sobre diversas áreas.

Esta foi sobre 10 livros que nos marcaram ou de que gostámos particularmente. Deviamos publicar um post por dia, com um dos livros. Reuni neste post os 10. Estão por ordem cronológica.

#1
O Livro de San Michele, Axel Munthe

Começo com este, que li na adolescência e me ficou marcado. É a biografia de um homem notável, um célebre médico sueco do início do sec. XX, de grande humanidade e com um grande amor pelos animais, que lho retribuiam. Da mesma forma era apreciador do sexo femininoo de quem beneficou de muitos favores. Passou uma grande arte da sua velhice na Villa San Michelle, na ilha de Capri, com vista sobre a baía e que chegou a ser considerada a mais bela da Europa. 

#2
The Selfish Gene, Richard Dawkins

Este foi dos livros que mais me marcou. Na realidade, já vinha de trás o meu interesse pela etologia e pela sociobiologia. Mas este livro foi um ponto de viragem. Deu-me resposta a muitas questões e levou-me a aprofundar a teoria da evolução e a biologia evolutiva, interesse que me acompanhou por toda a vida. Marcou indelevelmente a minha forma de ver o mundo, pela vida fora.

#3
The Fountainhead, Ayn Rand

Se Selfish Gene me forneceu as bases científicas para interpretar o ser humano e a sociedade, Fountainhead contribuiu para o meu entendimento do que é a liberdade individual, por oposição ao colectivismo e à coerção. Foi outro livro que me marcou para sempre.

#4
Denationalisation of Money, Friedrich Hayek e
Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System, Satoshi Nakamoto.
(Estes têm de ir juntos, como explico adiante).

Podia ter escohido outras obras mais reconhecidas de Hayek, como o The Fatal Conceit, que resume o essencial do seu pensamento. Mas este iluminou-me sobre o que o “dinheiro” deveria ser, afastando-me do monetarismo de Friedman, que continuo a respeitar como o maior comunicador sobre economia de sempre. Mas errado, na questão monetária.

Um pouco mais de três décadas mais tarde, apareceu o Bitcoin. Demonstrou como é possível pôr em práctica o conceito de “dinheiro”, fora do alcance da manipulação política. O whitepaper de Satoshi Nakamoto é uma obra brilhante, um exemplo inexcedível do que deve ser um whitepaper. Numa notável síntese, em meras oito páginas, explica com uma impressionante clareza como é possível implementar o dinheiro perfeito, usando tecnologias do sec. XXI.

Não sabemos se o BTC vingará, ou não. Os governos, os bancos centrais e o sistema bancário opõe-se-lhe tenazmente. Mas ficámos a saber que uma moeda orgânica, segura e fora do alcance dos governos, é possível – e como. E tendo aprendido, não podemos “desaprender”. Hayek está justificado.

#5
Diários de Miguel Torga.

As minhas raizes são as de Torga. Desde que me lembro, leio escritos dele. Representa o apelo telúrico que sinto por Trás-os-Montes e Alto Douro. 

Para além de apontamentos pessoais, estes diários retratam o olhar crítico de um homem livre e lúcido sobre a história recente de Portugal – as mudanças que se viveram a (pouca) esperança de um céptico e a desilusão que já antecipava.

Para além de tudo isso, aprecio o estilo de escrita escorreio, com períodos curtos, que parece ter-se perdido no português. Perda agravada pelo desastroso AO90.

#6
Cien Años de Soledad, Gabriel Garcia Marquez.

Este foi provavelmente o livro de ficção de que mais gostei, acho que nenhum o ultrapassou. E se fosse escoher um segundo, poderia optar por “El amor en los Tiempos del Cólera”, também de Marquez.

Os livros de Marquez, ganham muito se forem lidos na língua original. Para além da fabulosa narrativa, Marquez consegue dotar a escrita de uma musicalidade própria, que se perde na tradução. E cria personagens que parecem de carne e osso em enredos de grande ironia. Li (e reli) cada página com um sorriso.

“Muchos años después, frente al pelotón de fusilamiento, el coronel Aureliano Buendía había de recordar aquella tarde remota en que su padre lo llevó a conocer el hielo. Macondo era entonces una aldea de veinte casas de barro y cañabrava construidas a la orilla de un río de aguas diáfanas que se precipitaban por un lecho de piedras pulidas, blancas y enormes como huevos prehistóricos…” Haverá começo mais extraordinário para uma história?

#7
A Short History of Nearly Everything, Bill Bryson.
Edição portuguesa – “Breve História de Quase Tudo”

Bill Bryson é um autor ecléctico, que escreve sobre temas muito diversos, normalmente com grande humor e sentido de narrativa. Mas esta é uma obra prima. É o melhor livro de divulgação científica que conheço. Li-o de seguida, com grande deleite. Para além de traçar a história da descoberta do mundo em que vivemos, relata a história dos descobridores – os cientistas que o foram desbravando. Devia ser leitura recomendada aos jovens do secundário, teria muito maior impacto do que os manuais curriculares. Contribuiria para renovar o interesse pela ciência, que escasseia cada vez mais na nossa juventude.

Um artigo do autor, no NYT, com o primeiro capítulo do livro:
https://www.nytimes.com/2003/05/18/books/chapters/a-short-history-of-nearly-everything.html

“NO MATTER HOW hard you try you will never be able to grasp just how tiny, how spatially unassuming, is a proton. It is just way too small.

A proton is an infinitesimal part of an atom, which is itself of course an insubstantial thing. Protons are so small that a little dib of ink like the dot on this I can hold something in the region of 500,000,000,000 of them, rather more than the number of seconds contained in half a million years. So protons are exceedingly microscopic, to say the very least.

Now imagine if you can (and of course you can’t) shrinking one of those protons down to a billionth of its normal size into a space so small that it would make a proton look enormous. Now pack into that tiny, tiny space about an ounce of matter. Excellent. You are ready to start a universe.

I’m assuming of course that you wish to build an inflationary universe. If you’d prefer instead to build a more old-fashioned, standard Big Bang universe, you’ll need additional materials. In fact, you will need to gather up everything there is-every last mote and particle of matter between here and the edge of creation-and squeeze it into a spot so infinitesimally compact that it has no dimensions at all. It is known as a singularity.

In either case, get ready for a really big bang. Naturally, you will wish to retire to a safe place to observe the spectacle. Unfortunately, there is nowhere to retire to because outside the singularity there is no where. When the universe begins to expand, it won’t be spreading out to fill a larger emptiness. The only space that exists is the space it creates as it goes…”

“There is of course a great deal we don’t know, and much of what we think we know we haven’t known, or thought we’ve known, for long. Even the notion of the Big Bang is quite a recent one. The idea had been kicking around since the 1920s, when Georges Lem tre, a Belgian priest-scholar, first tentatively proposed it, but it didn’t really become an active notion in cosmology until the mid-1960s when two young radio astronomers made an extraordinary and inadvertent discovery…”

Que forma fascinante de despertar interesse pela ciência…

Quanto aos motivos que o levaram a encetar esta obra, diz que embora tivesse escrito sobre muitos tópicos, sabia muito pouco sobre o planeta onde vive – da introdução:

“I had no idea, for example, why the oceans were salty but the Great Lakes weren’t. Didn’t have the faintest idea.. And ocean salinity of course represented only the merest sliver of my ignorance. I didn’t know what a proton was, or a protein, didn’t know a quark from a quasar, didn’t understand how geologists could look at a layer of rock on a canyon wall and tell you how old it was, didn’t know anything really.”

#8
The Ascent of Money: A Financial History of the World, Niall Ferguson.

Ferguson é um dos grandes pensadores das últimas décadas – um conceituado historiador e também um excelente e prolífico comunicador. Este livro conta a história do conceito de dinheiro desde a antiguidade até aos doias de hoje. Mais do que isso, mostra que, em grande medida, a história universal – conquistas, guerras, vitórias, derrotas – tem explicação no dinheiro – crédito, divídas, etc.

Cito da introdução:

“Bread, cash, dosh, dough, loot, lucre, moolah, readies, the where-withal: call it what you like, money matters. To Christians, the love of it is the root of all evil. To generals, it is the sinews of war; to revolutionaries, the shackles of labour. But what exactly is money? Is it a mountain of silver, as the Spanish conquistadors thought? Or will mere clay tablets and printed paper suffice? How did we come to live in a world where most money is invisible, little more than numbers on a computer screen? Where did money come from? And where did it all go?”
“… Behind each great historical phenomenon there lies a financial secret, and this book sets out to illuminate the most important of these. For example, the Renaissance created such a boom in the market for art and architecture because Italian bankers like the Medici made fortunes by applying Oriental mathematics to money. The Dutch Republic prevailed over the Habsburg Empire because having the world’s first modern stock market was financially preferable to having the world’s biggest silver mine. The problems of the French monarchy could not be resolved without a revolution because a convicted Scots murderer had wrecked the French financial system by unleashing the first stock market bubble and bust. It was Nathan Rothschild as much as the Duke of Wellington who defeated Napoleon at Waterloo. It was financial folly, a self-destructive cycle of defaults and de-valuations, that turned Argentina from the world’s sixth-richest country in the 1880s into the inflation-ridden basket case of the 1980s.”

Do início do último capítulo:
“Today’s financial world is the result of four millennia of economic evolution. Money – the crystallized relationship between debtor and creditor – begat banks, clearing houses for ever larger aggregations of borrowing and lending. From the thirteenth century onwards, government bonds introduced the securitization of streams of interest payments; while bond markets revealed the benefits of regulated public markets for trading and pricing securities. From the seventeenth century, equity in corporations could be bought and sold in similar ways. From the eighteenth century, insurance funds and then pension funds exploited economies of scale and the laws of averages to provide financial protection against calculable risk. From the nineteenth, futures and options offered more specialized and sophisticated instruments: the first derivatives. And, from the twentieth, households were encouraged, for political reasons, to increase leverage and skew their portfolios in favour of real estate.”

#9
The Skeptical Environmentalist: Measuring the Real State of the World, Bjorn Lomborg.

Este livro, saiu em 2001, na versão inglesa. Rapidamente ganhou notoriedade, ao pôr em causa muitas das premissas dos movimentos ambientalistas. Trouxe a fama a Bjorn Lomborg, e também muitos ataques dos movimentos ambientalistas.
Bjorn Lomborg, matemático e economista dinamarquês, especializado em análises estatísticas, tinha sido um activo ambientalista e apoiante do Greenpeace. Mas, ao contrário dos outros, começou a recolher estatísticas e a fazer contas, com base em dados objectivos. Concluiu, contra a sua própria percepção e intenção inicial, que era dotar o ambientalismo de suporte estatístico, que o estado do ambiente tinha vindo a melhorar – e a poluição a diminuir – nos países desenvolvidos, devido à inovação e ao progresso tecnológico.

As questões ambientais preocupam-me desde há muito. Mas sempre desconfiei dos alarmismos guiados por algumas agendas que tomaram conta de activismos exagerados. Este livro, que devorei em alguns dias (é muito denso de análises e estatísticas) veio iluminar-me e mudou a minha perspectiva sobre estas questões. É uma obra de enorme profundidade, que resultou de um trabalho de anos.

Lomborg veio denunciar a ladaínha alarmista de muitos movimentos ambientalistas. Muitas vezes, os estudos sobre o ambiente fazem cherry picking de dados, exagerando nos cenários catastrofistas, para gerar medo e promover a sua agenda. Isto, diz Lomborg, conduz a políticas que atrasam o progresso e sacrificam milhões de pessoas à pobreza. A tese fundamental de Lomborg é que, para tomarmos as melhores decisões, temos de basear-nos na análise dos factos, não no medo.

Neste sentido, mais tarde fundou o “Copenhagen Consensus”, para onde convidou reputados cientistas e economistas, que visa estabelecer asprioridades de acção pública, em função de análises custo-benefício.

Entretanto, este livro continuou a gerar polémicas por muitos anos. Foi acusado de desonestidade científica, por especialistas climáticos, inclusive por um painel oficial. Lomborg procedeu contra esse painel no ministéro da ciência dinamarquês, tendo este concluído contra o pailnel ambientalista, uma vez que não encontrou evidência de falsidades no trabalho de Lomborg. Em grande medida, a comunidade científica internacional tomou partido por Lomborg.

Esta obra mantém-se como uma referência fundamental na análise ambiental, bem como a abordagem de custo/ benefíciopara prioritização das acções públicas, que continuam a ser aplicados no seu Think Tank Copenhagen Consensus.

#10
Sapiens: A Brief History of Humankind, Yuval Harari.

Um livro notável, que li de uma ponta a outra com enorme curiosidade e prazer. Traça a história da humanidade desde o imício até hoje, com uma interpretação muito particular das forças de fundo que nos movem.
Harari é um dos mais brilhantes pensadores deste início de século. É o que mais se aproxima do que deve ser um polimata do sec. XXI. Para alé de historiador, consegue dominar o essencial de muitas tecnologias – AI/ Machine Learning, Biologia, Física, etc – e fazer a síntese, avançando com ideias muito bem fundamentadas.
Considero este o seu melhor livro até agora. O seguinte Homo Deus, parece-me muito mais especulativo, provavelmente porque Harari não resistiu ao apelo comercial, enveredando por algum sensacionalismo.

Nota: hesitei bastante entre colocar aqui o Sapiens, ou este notável livro de Kahneman:
Think Fast And Slow, Daniel Kahneman.

#10

Sapiens, Yuval Harari.

Um livro notável, que li de uma ponta a outra com enorme curiosidade e prazer. Traça a história da humanidade desde o seu início até hoje, com uma interpretação muito particular das forças de fundo que nos movem.

Harari é um dos mais brilhantes pensadores deste início de século. É o que mais se aproxima de um polimata do sec. XXI. Para além de historiador, consegue dominar o essencial de muitas áreas essenciais ao entendimento da sociedade deste século – AI/ Machine Learning, Biologia, Física, etc – e fazer a síntese, apresentando ideias muito interessantes e bem fundamentadas.  Considero este o seu melhor livro. O seguinte, Homo Deus, parece-me muito mais especulativo, provavelmente porque Harari não resistiu ao apelo comercial, enveredando por algum sensacionalismo. O último, 21 Lições para o Sec. XXI, é melhor, mas fica aquém da envergadura deste.

Nota: hesitei bastante entre colocar aqui este livro de Harari, ou o Think Fast And Slow, de Daniel Kahneman. A opção resultou de considerar o Sapiens um livro mais abrangente, sobretudo em vista da evolução da sociedade neste início de século.

Mas o Think Fast And Slow, de Daniel Kahneman, também merece estar aqui.

Se alguém levou a psicologia ao lugar de uma ciência, foi Kahneman. Uma colecção de experiências, conduzidas ao longo de décadas, demonstram como o nosso cérebro funciona, ao fazer julgamentos e ao tomar decisões. Uma obra impressionante de um notável cientista, que justamente foi galardoado com o “nobel” da economia.