A Conspiração Oligárquica, de Rui Ramos
Um brilhante retrato do regime português, que mantém o país estagnado há décadas e destrói o sonho das novas gerações de convergência com os padrões da Europa desenvolvida.
Neste livro, Rui Ramos reúne umas dezenas de crónicas que publicou no Observador entre 2014 e 2019, apanhando a fase final do governo de Passos Coelho e o governo de António Costa apoiado na “geringonça”.
Embora tenha sido publicado em Maio de 2019, e eu leia regularmente os artigos de Rui Ramos, apenas deparei com este livro numa incursão à Fnac. Tem 170 páginas e o formato de livro de bolso, foi-me acompanhando e li-o durante uns dias.
Com a perspectiva de um historiador, Rui Ramos defende a tese de que o regime português criou uma classe política de dirigentes, que se transformou numa “oligarquia”, que foi dominando a economia e a sociedade através do aparelho do Estado. Dai o título do livro — “Conspiração Oligárquica”.
Embora se trate de um conjunto de artigos soltos, existe um fio condutor evidente que conduz a esta tese de fundo.
Ao ler este livro lembrei-me da tese de Daron Acemoglu, resultado de décadas de investigação, aprofundadamente exposta na obra “Porque Falham as Nações”. Acemoglu mostra, com inúmeros exemplos, que o êxito económico (ou a falta dele) resulta, acima de tudo, das instituições políticas e económicas que se foram desenvolvendo nos diversos países. Instituições políticas “extractivas”, que beneficiam um pequeno grupo de indivíduos rentistas, tendem a gerar países pobres. Instituições políticas “inclusivas”, em que participam um grande número de pessoas e em que não existem barreiras à entrada, tendem a gerar crescimento económico e desenvolvimento nos países em que se estabelecem. Infelizmente, não custa concluir em que categoria está a nossa “oligarquia” política.
O prefácio é, e, si mesmo, uma excelente crónica do tempo presente. Cito:
“O título… é talvez uma provocação, mas não é apenas uma provocação. É também uma hipótese, que pode ajudar a compreender o que se passa em Portugal. Ao longo de cinco anos, comentando a actualidade, acabou por se tornar no fio de Ariadne com que esperei não me perder no labirinto dos incidentes da semana. Este livro é também a ocasião para tornar explícita a sua lógica.
A democracia portuguesa gerou, através das suas organizações e instituições, uma classe dirigente especializada, a que, seguindo os primeiros autores a dar conta desse tipo de fenómenos, podemos chamar “oligarquia”.,,
“No caso português, a oligarquia política assenta numa base especialmente poderosa: um Estado cuja legitimidade ninguém contesta, bem integrado internacionalmente… e que confisca e despende uma grande parte da riqueza nacional, num país sem outros grandes interesses económicos e quase sem instituições autónomas, tirando talvez a Igreja.”…
“A opção da elite política da democracia foi, fundamentalmente, seguir a estratégia final da anterior classe dirigente da ditadura, e investir num Estado desenvolvimentista e social.”…
“… o euro permitiu um endividamento que inicialmente compensou a estagnação económica:
Foi neste contexto que se desenvolveu o que chamei a “conspiração oligárquica”, sobretudo protagonizada pelo Partido Socialista, o partido que domina o Estado desde meados da década de 1990.”…
“A clique que rodeara Sócrates voltou, atribuiu as dificuldades ao “neoliberalismo”, juntou-se ao PCP e ao BE para tentar refazer uma base eleitoral, através da clientelização do funcionalismo e de outros dependentes do Estado. Para manter equilíbrios, não hesitou em sacrificar os serviços públicos. O seu monopólio do Estado desorientou finalmente a oposição, com o PSD a querer integrar a “geringonça”….
“A democracia m Portugal foi até agora, para o bem e para o mal, estes políticos, estes partidos, este sistema eleitoral, e este equilíbrio dos órgãos de soberania. Mas seria se tivesse de ser assim para todo o sempre.”…
“Mas o fim de um regime pressupõe forças para construir outro. Haverá em Portugal essas forças — outras pessoas, outras disponibilidades, outros meios — para refundar a democracia, como o general De Gaulle fez em 1958, em França…? Não sabemos. Existe, portanto, uma perspectiva sinistra: é que o país passe a desprezar esta oligarquia e estas instituições, mas sem alternativa para as substituir… Continuaríamos, assim, a escolher governantes no menu actual, mas cada vez mais compenetrados de que iríamos ser sempre mal servidos. Neste caso, não é apenas o regime que está em risco. É o país, destinado ao que só pode ser um arrastado exercício de cinismo e decadência”
A crónica com o título do livro, publicada em 14 de Setembro de 2018, termina assim:
“…A tendência será para toda a gente tratar das suas respectivas clientelas à custa do Estado, e, de resto, fugir a grandes responsabilidades. No fundo, a governação de Portugal irá reduzir-se, nas suas grandes linhas, a um simples condicionamento externo, definido pelos mercados financeiros e pelas regras europeias. Viveremos assim sob a ditadura da conjuntura: quando for boa, aumentam-se as despesas; quando for má, aumentam-se os impostos. Em outros países europeus, dizem-nos que a democracia está ameaçada por “movimentos populistas”; aqui, está ameaçada pelo que temos de chamar uma conspiração oligárquica.”
Recomendo vivamente este livro. Custa € 7.90. Como referi acima, lê-se facilmente, tem 170 páginas e o formato de livro de bolso.
https://www.goodreads.com/book/show/46221697-a-conspira-o-olig-rquica