Um artigo excepcional do Ricardo Arroja, sobre um tema fundamental para entender a economia monetária em que vivemos. Muitos interrogam-se sobre quais os efeitos perniciosos das taxas de juro negativas. Este artigo explica-o de forma excepcional e sucinta. É do melhor que tenho lido sobre o assunto, melhor que qualquer coluna que tenho lido na melhor imprensa económica internacional.
“As autoridades monetárias devem funcionar como financiadores de último recurso, porém, não deveriam constituir-se como artífices de economias zombie nem de mercados distorcidos.”
A distorção dos mercados, sobretudo nos períodos de ajustamento:
“… em face da recente valorização das cotações bolsistas nos EUA, a depressão implícita às previsões macroeconómicas da Reserva Federal, que inicialmente levou a uma forte correcção das bolsas de valores, parece ter dado lugar nas últimas semanas a um optimismo aparentemente inusitado dos investidores…. como os mercados funcionam. São como pêndulos, que oscilam de um extremo ao outro, buscando equilíbrios, muito embora apenas pontualmente estejam em equilíbrio. Ora, é precisamente nos momentos de maior desequilíbrio que está o poder sinalizador dos mercados.”
Já as taxas de juro nominalmente negativas, que representam o novo normal na Europa, essas sim, tirando o Japão, constituem paradigma novel. Trata-se de uma experiência monetária que, do ponto de vista dos devedores, é muito apelativa, mas que, do ponto de vista da oferta de crédito, pode produzir efeitos contrários aos pretendidos, reduzindo, em vez de aumentar, a oferta de crédito (sobre isto, ler “The Reversal Interest Rate”, NBER 2018).
Salienta a distorção no mercado de crédito:
“A utilização de taxas de juro negativas na promoção de empréstimos, como por exemplo faz o BCE no âmbito do TLTRO, levando a que na prática seja o credor a pagar ao devedor para que este se endivide (!), cria um efeito de subsidiação perverso. Primeiro, corresponde à subsidiação indevida dos bancos comerciais que tomam fundos abaixo da taxa de depósito do banco central. E, depois, surge a pressão política para que suceda o mesmo em relação ao sector não financeiro por parte dos bancos comerciais. A situação é simples. Se um banco central paga a um banco comercial para que este tome fundos, em teoria, bastará depois ao banco comercial, a fim de lucrar com isso, emprestar esse mesmo dinheiro ao seu cliente/devedor final a uma taxa de juro menos negativa do que a original (assumindo que o empréstimo não entra em incumprimento!)…
Mas, neste ciclo tortuoso, a taxa de juro perderia o efeito sinalizador – que reside na aferição do risco de crédito do devedor. Seria um mundo sem chão, em que todos os riscos poderiam vencer juros negativos, constituindo, portanto, não-riscos, o que seria absurdo. A situação seria tanto mais absurda na medida em que o prémio (repito, prémio) de risco tem de atender ao retorno financeiro sobre o capital, mas também ao retorno do capital propriamente dito.”
Aponta também outro efeito perverso, para que tenho chamado a atenção – o aumento da desigualdade entre os 1%, que são os grandes detentores de activos financeiros, e os restantes:
“A redução das taxas de juro para zero, ou para valores negativos, tem também como consequência a inflação dos activos financeiros e, paradoxalmente, o agravamento da desigualdade entre os detentores e não-detentores dos mesmos. Se a taxa de desconto tende para zero, tudo o resto constante, poderá argumentar-se que as cotações tenderão para infinito. Mas, a exemplo dos juros negativos, que tornam riscos em não-riscos, a consideração de valores potencialmente infinitos para as cotações dos títulos leva-nos para uma dimensão também ela artificial e desligada da realidade. Mais uma vez, o efeito vicioso da política monetária.”